sexta-feira, 14 de junho de 2013

O carro caído.

  
   Um carro de bois vinha chiando pela estrada. Saíra de Aldeia Velha, pela madrugada, conduzindo um sino para a Capela de Estremoz. Na vila, um grande povaréu esperava, ansioso, a chegada do sino. Estava tudo preparado para o batismo do bronze.
   O carro viajaria o dia todo e os bois estavam cansados. A noite tinha caído e a lua já iluminava o céu. O carreiro, que era um negro chamado João, vinha cochilando. Mas, quando acordava cutucava a boiada com a vara de ferrão.
   Para animar os bois, o negro começava cantar uma toada triste. Os bois gostaram e começaram a andar de presa. E o carreiro pegou, de novo, no sono. De repente, acordou e viu que os bois estavam parados. Irritado, exclamou:
- Diabo! E deu uma ferroada forte nos bois.
   Nisto, uma coruja rasgou mortalha. O carreiro não percebeu que a coruja era um anjo avisando que naquela hora, conduzindo um sino para a casa de Nosso Senhor, não devia falar no Tinhoso. Pouco depois, João gritou outra vez:
- Diabo! E nova ferroada nos coitados dos bois.
O maldito gritou então do Inferno:
- Quem é que me está chamando?
   Quando ouviu a voz estridente do Diabo, o carreiro ficou trêmulo de pavor. Assobiou para enganar o medo. E tornou a cantar a toada triste como uma despedida. Os bois começaram a andar. E, com o balanço do carro, João pegou no sono.
   Súbito acordou. O carro estava parado. O negro ficou furioso e cutucou a boiada exclamando:
- Diabo!
- Aqui estou eu! Respondeu-lhe, ao ouvido, o Tinhoso.
   E arrastou o carro para dentro da lagoa com o carreiro, os bois sino e tudo. João nem teve tempo de gritar por Nossa Senhora.
   Mas o negro não morreu. Ainda está vivo debaixo d'água, sempre carreando... Por isso, quem passa naquela lagoa, no tempo de Quaresma, ouve, claramente, cantar o carreiro, chiar o carro, gemer os bois e tocar o sino.

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